Como vocês sabem, minha clínica é baseada na Psicologia Analítica de C. G. Jung e vamos falar ainda muito dele neste espaço. Mas não só dele. Isso quer dizer que por aqui não temos preconceitos nem limitações. Sempre que um pensador da Psicologia, da Filosofia, da História, da Antropologia, etc, me trouxer uma base teórica que ajude a compreender o dia a dia, o “chão da vida”, vou chamá-lo para a roda para conversar com a gente.
Bom, dito isto, apresento o primeiro convidado, o psicanalista francês Jacques Lacan, para nos acompanhar nesta divagação sobre algo que dói e exaspera. Lacan dizia que a angústia é o único afeto que não mente, porque onde ela aparece fica evidente que se chegou a um ponto onde ficou insuportável sustentar uma situação, um desejo. Junto vem um sentimento de estar se perdendo de si mesmo. Trocando em miúdos, fica na cara que tem alguma coisa muito fora da ordem. Explico melhor.
A queixa normalmente é de um mal-estar que não cabe em palavras e que se manifesta muitas vezes em sintomas que variam de pessoa para pessoa. Pode ser um aperto no peito, uma dor em algum lugar, um desespero, desânimo, falta de vitalidade e disposição. A gente roda, roda para descrever e se depara com o peso do que está tocando lá no fundo e o caos daquilo que saiu do controle. Sim, a angústia deixa a vida de pernas pro ar, ela desestrutura, mas é exatamente neste ponto que ela se manifesta tentando nos sinalizar algo que ficou preso e que agora tenta se libertar da maneira mais radical, como o ar dentro de uma panela de pressão.
A proposta da análise não é fazer com que a angústia suma da vida do analisando, até porque tentar eliminar o sofrimento da vida não passa de uma meta idealizada, pois a própria vida se encarrega de nos colocar diante de situações difíceis o tempo todo, situações que estão fora do nosso controle e – acredite – isso tem um motivo, por mais que se resista a esta realidade.
O papel da análise, ao contrário, é abrir espaço no setting terapêutico para que a angústia possa ter lugar, se mostrar. Isso não é banal, tampouco fácil, porque junto traz o medo de perder-se de si à medida em que certezas e verdades edificadas ao longo da vida são colocadas em xeque. A sensação de não se reconhecer pode assustar, mas, se for possível se dar uma chance de atravessar a tempestade, quem sabe haverá espaço para observar novos cenários, de reconstruir a narrativa pessoal e uma nova forma de estar no mundo.
É comum as pessoas chegarem ao limite da agonia psíquica para finalmente olharem para si. É humano, arquetípico, como diria Jung (mas disso vamos falar em outra oportunidade). É uma chance que temos para ajustar o radar e compreender o que a angústia quer dizer. Arrematando essa conversa com o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, “siga a tua angústia, ela é o caminho rumo a ti mesmo”.