Meu filho,oce

Meu filho, você não me deve nada!

No livro O desenvolvimento da personalidade, que faz parte das obras completas de Jung, ele diz que o que atua psiquicamente de modo mais intenso sobre a criança é a vida que os pais e os antepassados não viveram. Ou seja, sempre que o indivíduo se obriga ou é obrigado, consciente ou inconscientemente, a viver a vida não vivida dos pais e de outras pessoas importantes para ele na sua ancestralidade isso dá problema.

Soa familiar? Quantas histórias não conhecemos de famílias com gerações e gerações de pessoas com a mesma profissão, filhos que assumem os negócios dos pais ou assumem “dívidas de honra”. Há também os filhos que trilham caminhos que os pais não puderam percorrer por algum motivo. Exemplos não faltam. É possível, sim, de as coisas acontecerem de caso pensado, do tipo “não tive oportunidade de fazer (o desejo), mas farei de tudo para meu filho faça e ele não terá escolha”. Ou “minha mãe não pode ser médica, então eu serei para realizar o sonho dela”. Outras vezes, no entanto, a mensagem ecoa de forma subliminar. Segundo Jung, frustrações e conteúdos recalcados e não conscientizados dos pais produzem um “veneno secreto que penetra na alma do filho”. O indivíduo (filho), então, passa a vida correndo atrás de corresponder à demanda criada pelos pais e se não consegue, além de a culpa vir cobrar sua conta, uma vida sem sentido e significado pode ser o que lhe espera.

Todos nós somos responsáveis por nosso próprio desenvolvimento psicológico. Apenas cada um de nós, individualmente, é capaz de seguir neste rumo, reconhecendo nossas zonas de sombra (o que em nós nos incomoda, que reprovamos, que nos frustra, mas que é humano), mudando, transformando e construindo novos significados para nossa existência. Muitos indivíduos, no entanto, por motivos diversos, não fazem isso e, em consequência, ficam “patinando” em seus complexos, desviando dos problemas, como forma de se defenderem do incômodo que naturalmente se apresenta quando precisamos sair da zona de conforto. Quando isso acontece, costumamos projetar para fora nossos aspectos sombrios e, quando os vemos nesta tela externa, nos convencemos de que a realidade está fora e não dentro. É comum fazermos isso todos os dias, com várias pessoas da nossa convivência. Mas quando pais projetam suas expectativas de si não realizadas em sua descendência, podem estar tirando dos filhos a possibilidade destes compreenderem o verdadeiro sentido de suas vidas, pois, por influência do inconsciente dos pais, os filhos, por compensação, buscam corresponder para sentirem-se amados.

Ao sentir-se sempre devendo algo aos pais, o indivíduo corre o risco de não viver o que de fato lhe pertence. A grande questão é ser capaz de identificar se aquilo que está sendo vivido é um conteúdo pessoal ou do outro. Só vivemos plenamente nossa própria verdade quando compreendemos que as heranças psíquicas que nossos pais nos deixam não nos obrigam a permanecer em dívida com eles.

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